Mayombe, do escritor angolano Pepetela, é um dos livros que compõem a lista de leituras obrigatórias da FUVEST 2020. A princípio, a obra mostra-se algo estranho ao leitor brasileiro contemporâneo: a Guerra de Independência de Angola, pois, é normalmente vista como uma realidade continentalmente distante daquela a que estamos habituados. Sendo assim, é natural pressupor que compreender os dilemas que perpassam tal contexto seria uma difícil tarefa de abstração. No episódio de estreia do “Recanto Entretextos”, discutimos o quão reais são, de fato, essas pressuposições. Enquanto resumimos o enredo do livro, analisamos brevemente as relações coloniais entre Brasil e Angola, bem como suas consequências para a interpretação da obra. Ao contar-nos sua experiência colonial, Pepetela faz com que repensemos o tempo todo até onde podem ser separados os dados particulares dos dados universais; Mayombe, ao expor as dores do guerrilheiro, revela as contradições inerentes ao ser humano em constante guerra interna consigo mesmo e com o restante do mundo. Por último, destacamos possíveis abordagens da FUVEST em relação ao livro. Resolvemos e comentamos algumas questões que já caíram em provas anteriores, e discutimos quais são os fatores centrais que a prova pode exigir.
“[...] Eu escrevi não para publicar. Escrevi porque tinha necessidade de escrever. Estava em cima de uma realidade que quase exigia que eu escrevesse. Escrevendo eu compreenderia melhor essa realidade; eu atuaria melhor sobre a própria realidade. Não quanto à obra escrita, mas pela minha atuação militante para melhor compreensão dos fenômenos que se passaram.” (PEPETELA, 1999, p. 136)
Os guerrilheiros estão na floresta, procurando um local em que os civis de Cabinda extraem madeira para os colonialistas. Teoria se machuca, mas continuam com o plano. Encontrando os trabalhadores, o único português consegue fugir, poupado por Sem Medo. Ficam com os prisioneiros até ao dia seguinte, apresentando-lhes a ideologia do MPLA. Ao libertarem-nos, os guerrilheiros percebem que uma nota de cem escudos fora roubada de um dos trabalhadores. Estes vão embora e, mais tarde, Sem Medo nota que o ladrão fora o guerrilheiro Ingratidão do Tuga, que seria julgado na base. São constantes as desconfianças entre os guerrilheiros por tribalismo. Uma emboscada contra os soldados portugueses é realizada. Vários portugueses morrem, e todos os guerrilheiros sobrevivem. Voltariam para a base, mas Comissário deseja encontrar o trabalhador que possuía a nota roubada. Ele o encontra, porém o homem oferece o dinheiro ao movimento. Na base, julgam Ingratidão do Tuga: Comissário a favor do seu fuzilamento, mas Sem Medo contra. O Chefe das Operações lembra que a decisão final sobre o traidor é da diretoria.
O capítulo começa tratando de como o Mayombe "pariu" a base guerrilheira, escondendo-a com as copas das árvores e alimentando-a com amêndoas (as "comunas", no jargão dos guerrilheiros). Chega um grupo de guerrilheiros novos, mas mal treinados. Um deles, parente de Sem Medo e do dirigente André, ganha o nomes de código Vewê. Comandante reclama do pouco treinamento dos novos membros e da falta das remessas de comida para a base. Para resolver estes problemas, Comissário é mandado para Dolisie. Fica clara a diferença entre o pensamento de Mundo Novo, um idealista, e o de Sem Medo, que crê que não há atitude humana desinteressada.
Comissário, já em Dolisie, não encontra André com facilidade e, por isso, vai ver Ondina, a sua noiva. Esta zanga-se pela demora do noivo e por sua curta estadia na cidade. André finalmente é encontrado, prometendo enviar mantimentos à base. Comissário volta à sua noiva, mas ficam insatisfeitos, com ele fugindo das intimidades. De dia, volta à base, desiludido com a tarefa e a noiva. Com Sem Medo, conversa sobre a falta de comida e os problemas com Ondina, pedindo ao Comandante que vá a Dolisie falar com ela.
Após uma brincadeira, Sem Medo grita com Vewê. Esta atitude é discutida por vários guerrilheiros, que acabam num conflito por tribalismo. O problema é resolvido pelo Chefe das Operações. Comandante sai em patrulha com os guerrilheiros Muatiânvua e Lutamos. Conversam sobre as disputas no comando, que são negadas por Sem Medo. Pela falta de alimentos, falam de uma possível sublevação contra André.
A fome continua, instigando o tribalismo. Quando Chefe das Operações volta com os alimentos, todos se alegram, mas chega a notícia de que Ondina fora pega em relações íntimas com André. Chega também uma carta dela ao noivo, que decide ir sozinho a Dolisie. Sem Medo o impede e lhe conta sobre seu relacionamento com Leli, uma mulher mestiça que acabou morta pela União das Populações de Angola (UPA). Na manhã seguinte, ambos partem para a cidade, onde André fora preso e o Comandante o substituiria provisoriamente. Na escola, Comissário encontra Ondina e procura reconciliação, que lhe é negada. Eles fazem amor, porém ela está decidida a partir de Dolisie. A Sem Medo, Comissário pede ajuda para convencer a noiva, mas o Comandante não tenta conversar com ela. Sem Medo descobre que Ingratidão do Tuga fugira, provavelmente auxiliado devido ao tribalismo. Comissário novamente pede ao amigo que fale com Ondina. Ele o faz, mas não tenta convencê-la a reatar o relacionamento. Por isso, Comissário se zanga e parte para a base. Sem Medo vê nisto uma evolução. Na manhã seguinte, avisam-lhe que os portugueses fizeram o seu acampamento em Pau Caído, o que o faz avisar ao chefe do depósito de Dolisie.
Sem Medo e Ondina, na cidade e sem novidades, conversam sobre diversos assuntos íntimos. Acabam dormindo juntos e, na manhã seguinte, são acordados por Vewê, que não vê Ondina, mas avisa ao Comandante que a base fora atacada pelos portugueses. Por isto, Sem Medo reúne guerrilheiros e cidadãos para retomar a base. Chegando lá, encontram Teoria, que informa ao Comandante que não houvera ataque. Descobrem que Vewê havia somente se assustado com os tiros dados por Teoria contra uma surucucu. Sem Medo ri, mas Comissário age de forma fria. Vewê é inocentado e Teoria recebe tarefas a mais como punição. Sem Medo começa a planear ataques contra os portugueses em Pau Caído e volta à cidade.
Sem Medo recebe ordens: Mundo Novo assumiria Dolisie e ele, após o ataque a Pau Caído, iria para a Frente Leste. Chama Mundo Novo, que se surpreende com a nomeação. Ondina tenta relacionamento com Comandante, mas ele recusa. À noite, chega o trabalhador cuja nota fora roubada por Ingratidão de Tuga: ele quer se juntar ao MPLA. Coluna, uma guerrilheira, vai até a base. De madrugada, marcham para realizar o ataque, que seria comandado por Comissário. Chegando ao local, preparam as armas e esperam. O ataque começa e, para salvar Comissário, Lutamos morre e Sem Medo é ferido gravemente. Vencem, mas Sem Medo não resiste e é enterrado junto a Lutamos, embaixo de uma grande amoreira. Chefe das Operações lembra que um cabinda (Lutamos) e um quicongo (Sem Medo) morreram para salvar um quimbundo (Comissário). Guerrilheiros os saúdam com salva de tiros.
PEPETELA (Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos). Mayombe. Lisboa: Edições 70, 1980 ___________. Entrevista com Pepetela. In: SERRANO, Carlos. O romance como documento social: o caso de Mayombe. Revista Via Atlântica. São Paulo, n. 3, p. 132-139, dez. 1999.
BratkowskIi, Bianca Rodrigues (2015). «"Mayombe": uma visão interna da Guerra Colonial de Angola». Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Nau Literária: crítica e teoria de literaturas. Consultado em 13 de agosto de 2017
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